Da Terceira Via ao beco sem
saída
Gianni
Carta 14 de
março de 2011 às 10:34h
Anthony Giddens e a London School of Economics se
enrolam no apoio à família Kaddafi
A London School of Economics
(LSE) continua a investigar o suposto plágio da tese de doutorado, aprovada em
2008, de Saif al-Islam, filho do coronel Muammar Kaddafi. Um processo que
deveria ser célere graças às novas tecnologias. Mas a LSE está – como o coronel
das dunas – em busca de uma estratégia de saída. Ou de morte digna, visto que
Saif, outrora tido pelos seus mentores londrinos como um “reformista”, fala em
lutar “até a última bala”.
Enquanto isso, cada bombardeio
daqueles que ousam se rebelar contra o regime dos Kaddafi parece ecoar na
reputada universidade. Estudantes da LSE manifestam-se pela devolução à
Fundação Kaddafi da generosa doação de 1,5 milhão de libras. Na sua carta de
demissão, o reitor Howard Davies, ex-vice-governador do Banco da Inglaterra,
concede o “embaraço” provocado pelos elos da LSE com a fundação.
Mas insiste nas “boas intenções”
do projeto para apoiar a sociedade civil no Norte da África. Outro integrante
do conselho da LSE neste programa de “democratização” do Norte africano
responde por David Held. Ex-mentor acadêmico de Saif, Held acreditava no
projeto porque seu aluno parecia um adepto dos “valores liberais”. Essa
percepção foi estilhaçada pelo recente discurso de Saif para a mídia
internacional. O filho do rei das dunas se disse pronto a lutar até a última
“bala”. Held ficou “chocado”. Longe dos arquivos de bibliotecas, e em sintonia
com os humores em remotas ruas de vilarejos líbios, Mark Allen, outro a sentar
no conselho da LSE no projeto com a Fundação Kaddafi, certamente não ficou
surpreso com o discurso de Saif. Ex-espião do MI6 no Oriente Médio, Allen teria
sido figura-chave pelas boas relações do ex-premier Tony Blair com o coronel.
Em 2004, Allen encerrou a carreira de espião e foi trabalhar, com o aval de
Blair, para a British Petroleum. A gigante do petróleo, é claro, tem interesses
na Líbia.
Allen teria sido fundamental na
libertação de Abdelbaset Ali al-Megrahi, o ex-agente secreto líbio condenado à prisão
perpétua pelo atentado terrorista do avião da Pan Am a sobrevoar Lockerbie, em
1988. Em 2009, o governo escocês liberou Al-Megrahi por “razões humanitárias”:
ele estava com câncer terminal de próstata.
Mas o diário britânico The Times
revelou recentemente que Al-Megrahi parece gozar de boa saúde. Vive numa
suntuosa villa em Trípoli. Na garagem guarda uma Lamborghini vermelha e um Hummer.
Allen também atua no Monitor Group, grupo de consultoria global. O MG, com sede
em Boston, “limpa” a imagem de governos como o de Kaddafi. Em dois anos de
trabalho para o coronel, cobrou 02 milhões de libras. Embora, em 2003, a ONU
tenha posto fim às sanções contra a Líbia, quando Kaddafi assumiu
responsabilidade pelo ataque terrorista contra o vôo da Pan Am, e renunciou ao
terrorismo, o líder líbio precisou de um reforço dos serviços do MG.
Como conselheiro do MG e da LSE,
Allen convocou Anthony Giddens, ex-reitor da universidade londrina, para
encontrar o coronel na sua tenda em Trípoli. O parecer do sociólogo Giddens
sobre Kaddafi e a Líbia seria uma maneira de “limpar” a imagem do rei das dunas
e seu país. O sociólogo, hoje Lorde Giddens, de 73 anos, escreveu 34 livros
traduzidos em 30 línguas, e é o pai da Terceira Via, ideologia que serviu
apenas para justificar a manobra do Partido Trabalhista de Blair rumo ao
centro. Fez muito sucesso nos anos 1990, assim como as costeletas do argentino
Carlos Menem.
Por fim, a Terceira Via acabou em
um beco sem saída. Após duas viagens à Líbia, Giddens produziu artigos para os
diários La Repubblica, El País e The Guardian. “A Líbia, apesar de ter apenas
um partido, não é particularmente repressiva”, escreveu em 2007. Segundo o
sociólogo, Kaddafi seria popular. Todos, a começar por crianças nas escolas,
terão acesso a computadores e à internet. E previu: “Dentro de duas ou três
décadas, a Líbia poderá ser a Noruega do Norte da África: próspera, igualitária
e com um olhar para o futuro…” Giddens, neste artigo, parece ter trocado a
Terceira Via por uma pinguela.
FONTE: http://www.cartacapital.com.br/internacional/da-terceira-via-ao-beco-sem-saida
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