segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Caminhos do Folclore

Mesalas Santos 

           O folclore (saber do povo) é comumente entendido como sobrevivências culturais ou até mesmo como relíquias de um passado singelo e nostálgico. Esse era o pensamento de Williem John Thoms, em 1846, para denominar um campo de estudos até então identificado como antiguidades populares ou literatura popular. Nessa forma ampla de entender o saber popular, inventa-se aí a ideia da existência de uma idade do ouro, de um tempo perdido, pois quanto mais distante fosse a manifestação, mais original e autêntica. 
           Os estudos de folclore são parte de uma corrente de pensamento mundial, cuja origem remonta à Europa da segunda metade do século XIX. Ao mesmo tempo em que procuravam inovar, esses estudos são herdeiros de duas tradições intelectuais que se ocupavam anteriormente da pesquisa do popular: os Antiquários e o Romantismo. Se por um lado o romantismo deu um impulso para a compreensão das curiosidades populares, por outro, ele destoava da atmosfera reinante no final do século XIX. A exacerbação dos escritores românticos, celebrados anteriormente, devido à sua imaginação aflorada, passa agora a ser criticada, ou melhor, são considerados desvirtuadores da essência popular, adulterando-a com seu apetite artístico e egocêntrico. A cultura popular sofre pequenos retoques por parte destes intelectuais que, de certa forma, deram seu contributo imaginativo conforme lhe parecesse mais adequado. 
           Refutado o seu passado romântico, os folcloristas logo iniciam uma abordagem mais pragmática do seu objeto de estudo. Percebendo que o avanço industrial, bem como a crescente urbanização nas cidades, acarretaria numa possível perda das referências culturais, e diante do futuro incerto de uma disciplina em busca de definição, como estratégia, só restava aos folcloristas uma vigilância redobrada dos surtos da imaginação. No Brasil, a ideia de folclore é utilizada a partir dos estudos de Silvio Romero em que as etnias trazem consigo suas parcelas significativas de um arcabouço cultural. E que este arcabouço representaria a verdadeira cultura nacional em oposição a cultura européia. Ainda nesse período, a atenção dos folcloristas voltou-se cada vez mais para a população rural brasileira, especialmente para o caboclo e o mestiço. A ideologia da mestiçagem passou a ser a marca de nossa identidade nacional, tal como pregavam os positivistas e evolucionistas na época. 
           O sentimento nacionalista, inicialmente revelado na pesquisa da tradição local em substituição à antiga tradição européia, foi uma constante em todos os momentos da nossa história literária. A descoberta do caráter nacional, as representações das vicissitudes da nossa formação histórica e as características psicossociais do povo brasileiro denunciaram a pesquisa de um ideal concreto de cultura. Abordar um sistema de símbolos, valores, significados e aspirações à frente dos fenômenos culturais transplantados oriundos de modelos literários exógenos era o que seguramente afirmaria a identidade brasileira. Para tal finalidade, o modernismo brasileiro apostava na deformação da natureza como fator construtivo, o popular e o grotesco como um contrapeso para o falso refinamento acadêmico, e o enfoque no cotidiano como rejeição à idealização da realidade.  O ideal do movimento foi buscar nas tradições, costumes e crenças populares o elemento mediador para se entender o Brasil. Descobrir o Brasil! Essa era a ambição intelectual que perseguia Mario de Andrade, o que o levou a embarcar em várias viagens pelo interior do país. 
           Atualmente, pensar a cultura popular, o folclore é arrebatar qualquer lógica fixa, em excelência, de formas e conteúdos. É conceber a alteridade na sua relação causal, onde os indivíduos orientam sua conduta na plasticidade da forma. A sua relação com as normas sociais implementadas, sobretudo, pela elite política e intelectual, é uma maneira de reverter as regras do jogo. A sabedoria popular no uso de táticas, cujas artes de fazer ressaltam as maneiras de utilizar o sistema vigente com suas imposições dogmáticas, procura ao menos através de manobras equilibrarem-se entre as forças desiguais. 
           Neste sentido, os estratagemas dos dominados, a que Certeau(1996) chamará de trampolinagem, nada mais é que a percepção que o popular tem de si na relação com a cultura dominante, onde se manifestaria, desta forma, a opacidade da cultura popular. Desta maneira a cultura popular interpreta as noções de tradicional e moderno dentro de seu próprio universo de relações. Estabelece assim distinções internas, nunca absolutas ou imutáveis, que buscam controlar e refletir sobre as mudanças sociais em curso com as quais inevitavelmente se depara. Assim, a cultura popular, não está presa às concepções, cultura popular/folclore versus cultura de elite, mas, a fatos que cruzam as fronteiras entre as culturas, aberta a um mundo de significados permanentemente atribuídos.

4 comentários:

  1. Mesalas! parabéns pelo blog! Muito bacana mesmo.

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  2. Obrigada Isabela!! espero que O escárnio se transforme em um espaço onde o pessoal possa desopilar suas interpretações sobre a cultura...aguardo contribuições suas...abraços!

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  3. Mesa,

    O que eu ainda acho, é que além do folclore não se limitar a uma oposição ao popular, ele foi criado, classificado, como um rótulo pelos setores intelectualizados da sociedade. O que na maioria das vezes os indivíduos que atuam em folguedos fazem, é resignificar seus valores sem estarem preocupados em pensar se o que eles vivenciam é cultura popular, folclore, massa ou erudita. Se os ditos românticos passaram a ser criticados posteriormente devido a maquiagem que deram às produções do povo, os folcloristas cairam no mesmo erro, pois se excederam da crença de que o folclore significa meramente um armazenamento de traços, sem observar que toda uma manifestação folclorica é fruto de uma história de resistencias e é reflexo de um contexto passado que serve para esclarecermos o nosso contexto presente. Passando peloa antiquários, românticos, folcloristas, só sei que hoje a cultura de massa se alimenta desse folclore para expor as dores do povo em espetáculos que os intelectuais com seus olhos de encanto, simplesmente vão tirar fotos e filmar o que eles necessitam dizer para o mundo que é a verdadeira arte e blá blá blá. A industria de massa se consolida, não só por que simplesmente ela quer o espetáculo, mas por que os consumidores, inclusive os intelectuais, fazem de suas crenças, um grande espetáculo.

    www.movimentotorto.com

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  4. Mesa,

    O que eu ainda acho, é que além do folclore não se limitar a uma oposição ao popular, ele foi criado, classificado, como um rótulo pelos setores intelectualizados da sociedade. O que na maioria das vezes os indivíduos que atuam em folguedos fazem, é resignificar seus valores sem estarem preocupados em pensar se o que eles vivenciam é cultura popular, folclore, massa ou erudita. Se os ditos românticos passaram a ser criticados posteriormente devido a maquiagem que deram às produções do povo, os folcloristas cairam no mesmo erro, pois se excederam da crença de que o folclore significa meramente um armazenamento de traços, sem observar que toda uma manifestação folclorica é fruto de uma história de resistencias e é reflexo de um contexto passado que serve para esclarecermos o nosso contexto presente. Passando peloa antiquários, românticos, folcloristas, só sei que hoje a cultura de massa se alimenta desse folclore para expor as dores do povo em espetáculos que os intelectuais com seus olhos de encanto, simplesmente vão tirar fotos e filmar o que eles necessitam dizer para o mundo que é a verdadeira arte e blá blá blá. A industria de massa se consolida, não só por que simplesmente ela quer o espetáculo, mas por que os consumidores, inclusive os intelectuais, fazem de suas crenças, um grande espetáculo.

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