quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011


CONSUMO VORAZ
por Tatiana Martins Alméri


A moda e sua velocidade de renovar padrões e tendências é um estimulante para um dos principais esteios do sistema capitalista: a geração de uma cultura de consumo voraz. É o lema do "ter" para "pertencer”
A moda atualmente consegue sustentar uma das partes da estrutura do sistema capitalista que certamente faz com que o fluxo financeiro continue em alta rotatividade. A moda consegue garantir que certos produtos fiquem obsoletos em menos de quatro meses, e isso faz com que novas compras sejam feitas e com que o dinheiro seja gasto. Essa configuração ocorre porque as necessidades de consumo estão inseridas no dia a dia das pessoas que fazem parte de uma estrutura global; hoje em dia não basta consumir esporadicamente, o consumo muitas vezes é diário e pode até fazer parte de uma terapia muito utilizada: vou comprar para relaxar.
Esse relaxamento ocorre por uma sensação de saciedade, de necessidade cumprida, ou melhor, de buscas sanadas. Porém, o mais espantoso de tudo é que por um momento a pessoa realmente passa por essa saciedade, a sensação de alívio e, principalmente, de conquista. Mas de onde vem essa sensação se muitas coisas que compramos não estão dentro das nossas necessidades básicas? Nós realmente precisávamos daquilo naquele momento ou ocasião?
A sensação de saciedade ocorre porque ao consumir certamente conseguimos nos encaixar na estrutura social vigente: a busca pelo TER. Porém, essa estrutura é momentânea e deve ser, por essência, assim, para garantir que o fluxo financeiro novamente se concretize. Portanto, a sensação de saciedade vai até o ponto do lançamento de um novo produto, de uma nova moda, mesmo que ela seja algo que está retornando costumes de décadas passadas. Assim, sentimo-nos saciados não pelo objeto em si, mas pelo que ele significa para a sociedade, tanto no seu valor de uso, mas principalmente como um significante social, um símbolo cultural.
Sociologicamente falando, somos construídos pela cultura. Dessa maneira, segundo Taylor, o termo cultura é "todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade" (1871, p.1). Esse conceito pode ser complementado por Kroeber (1949), o qual afirma, dentre outros aspectos, que "a cultura, mais do que a herança genética determina aspectos do comportamento humano". Cito a cultura para conseguirmos fazer um elo entre a essência do sistema capitalista, a moda e a construção do indivíduo moderno.

CULTURA DO CONSUMO
 As discussões sobre a cultura do consumo trazem o dilema da fragmentação, da pluralidade, da flexibilidade e hibridização sociocultural dos representantes das formas de vida estabelecidas na sociedade, incluindo nesse contexto assuntos como produção simbólica, rituais de consumo, ciclos de consumo, projetos de identidades dos consumidores, cultura de mercado, padrões sócio-históricos de consumo e a ideologia de mercado de mídia de massa e estratégias interpretativas dos consumidores (ARNOULD apud OLIVEIRA; VIEIRA, 2010).
Na nossa sociedade, o sentimento de pertencimento ao grupo social faz com que a pessoa se sinta aceita e necessariamente não marginalizada; tanto é dessa maneira que, ocasionalmente, quando agimos de uma forma não muito agradável ao grupo, a pena é a exclusão. Podemos aqui apontar ainda mais fundo: quando fazemos algo ilegal a nossa penalização, entre outras, é sermos presos, ou seja, excluídos do grupo. De uma forma mais intensa, quando estamos encarcerados e, mais uma vez, cometemos delitos novamente, somos retirados do grupo e colocados em uma solitária. Falo isso para deixar bem claro o quanto é importante culturalmente pertencer a algum grupo, ser aceito. Tanto é que socialmente a nossa principal penalização é a exclusão, a retirada do indivíduo do grupo.
Esse sentimento de pertencimento ao grupo está totalmente vinculado à cultura, essa sim é que faz a construção de como nos apresentaremos socialmente, como refletiremos e faremos a diferenciação entre o bem e o mal, de como refletiremos e faremos as nossas escolhas. Essas escolhas que aparentemente são individuais necessariamente sofrem uma enorme influência cultural - do grupo - e a moda é um exemplo clássico dessa influência.
Acreditamos, dentro da nossa "ignorância", que nós somos da maneira que escolhemos, ou seja, livres para optar conforme o modo que achamos melhor. Porém, caro leitor, infelizmente para alguns e felizmente para outros, não funciona muito bem dessa maneira. Somos manipulados a cada momento, e essa manipulação acaba condicionando as nossas escolhas; não nos vestimos simplesmente como queremos, ou não pintamos nossos cabelos da maneira que escolhemos impreterivelmente, nós somos manipulados a agirmos e nos vestirmos, e, pasmem, até pensarmos da maneira que a sociedade nos impõe, o que está entrelaçado à nossa cultura ou em uma cultura suprema.¹ Mas onde estou querendo chegar com essas afirmações? Quero mostrar como funciona a lógica do consumo.
O consumo faz com que um indivíduo seja inserido em um grupo; qual grupo? O grupo que consome aquele tipo de bens ou serviços que você acaba de comprar. Ao entrarmos no grupo inconscientemente nos sentimos satisfeitos, o que nos traz aquele momento de saciedade, mas essa satisfação é momentânea, dura muitas vezes até o momento que lançam um novo produto.
Quando há o lançamento de um novo produto e não o consumimos, necessariamente saímos do grupo (lembre-se que essa é culturalmente uma das piores penas da nossa sociedade), consequentemente nos sentimos insatisfeitos e somos levados a realizar uma nova compra, um novo consumo para que a entrada no grupo ocorra, a satisfação aconteça e que o ciclo se concretize novamente.
Podemos aqui apontar um exemplo do grupo classe média: A classe média, de maneira geral, atualmente possui um computador em casa. Se você é da classe média e não o possui, certamente sofrerá algum tipo de preconceito, seja no dia a dia entre gozações com amigos até a chamada de atenção no trabalho. Depois de alguns momentos de exclusão, você finalmente consome, compra um computador, o qual lhe insere naquele grupo e, consequentemente, traz uma satisfação até o momento que lançarem um novo produto que aquele grupo está consumindo, como uma calça de um modelo novo, e é neste momento que o ciclo se configure novamente. A insatisfação acontece, e a consequência de tudo isso? Você já sabe, o consumo vai ocorrer.
A existência da moda é uma das grandes sacadas da estrutura do sistema capitalista. As roupas, calçados, maquiagens, penteados, etc., mudam no mínimo a cada estação, isso faz com que os produtos se renovem a cada momento, mas a grande sacada desse setor é que muitas vezes podem ser apresentadas modas espelhadas em outras épocas, o que faz com que compremos novamente os produtos que tínhamos na década de 1970, ou seja, acabamos comprando duas vezes o mesmo produto só que em épocas diferentes, não necessariamente porque gostamos, mas porque o grupo social assim exige.
Cabe aqui ressaltar que a moda não trará novamente algo de cinco anos atrás, pois se corre o risco de eu ainda ter guardado no meu armário e, dessa maneira, não necessitarei fazer a compra. Essa é a nossa famosa lógica do consumo, a qual está fundamentada na nossa cultura, na estrutura do sistema capitalista, e faz com que, por intermédio de vários patamares, sendo um deles a MODA, o fluxo financeiro continue fluindo concretizando a estrutura do sistema capitalista.
Tatiana Martins Alméri é socióloga pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, mestre em Sociologia Política e professora na Unip e na Fatec (taalmeri2@hotmail.com).

¹Para Bauman (2001), o atual sistema social envolve os sujeitos primeiramente enquanto consumidores, pois somos guiados mais pela sedução e desejos voláteis, nos quais se movem as marcas e os símbolos com uma leveza quase imperceptível nas relações sociais, do que na constituição de laços com nossos semelhantes. Isso se evidencia a medida que os processos de massificação do consumo e da mídia se intensificam, provocando uma proximidade maior dos homens com seus símbolos e objetos (representações) produzidos do que com outros homens (BAUDRILLARD, 1995). É assim que, para Baudrillard (1995), constitui-se a cultura do consumo, marcada pela crescente intensidade de relações entre os sujeitos e suas representações em detrimento do entendimento da realidade vivida. Este fenômeno evidencia como se vive com menor alusão e maior ilusão às funções sociais (OLIVEIRA; VIEIRA, 2010, p. 38).

REFERÊNCIAS
BAUDRILLARD, Jean. A Sociedade de Consumo. Lisboa: Edições 70, 2005.
TYLOR, Edward B. La Cultura Primitiva [1871]. Madrid: Ayuso,1977- 1981.
KROEBER, A. Estudos de Organização Social. São Paulo: Livraria Martins, 1949.
OLIVEIRA; VIEIRA. Produção simbólica e sustentabilidade: discutindo a lógica da salvação da sociedade pela mudança nos modos de consumo. Universidade Estadual de Maringá. Disponível em: .

Fonte: http://sociologiacienciaevida.uol.com.br/ESSO/Edicoes/30/artigo181646-1.asp

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