sexta-feira, 4 de março de 2011

Carrum Navalis
  Mesalas Santos

A festa momesca que ocorre todos os anos no nosso país, surge como um dos grandes símbolos culturais nacional. É comum associarmos que este bem cultural é produto genuinamente da cultura brasileira. No entanto, para decepção daqueles nacionalistas fervorosos não existe com precisão a noção exata de quando e nem como surgiu o carnaval
Existem alguns indícios que procuram responder estas indagações: a) povos que habitavam as margens do rio Nilo, no Egito, por volta de 4.000 a.C. são considerados como os primeiros a praticar a agricultura e celebrar através de ritos agrários. Danças, cantos, máscaras e pinturas corporais eram elementos utilizados para saudar a chegada da primavera e espantando as forças impresumíveis que prejudicavam o plantio; b) o carnaval pagão teria surgido por volta de 605 a.C. e 527 a.C. durante o reinado de Pisistrato, em Atenas, onde o culto a Dionísio – deus das festas, vinho e da pândega – era incentivado com desfiles e cortejo de mascarados pelas ruas de Atenas celebrando o casamento do deus com a Pólis; c) o culto ao deus Baco, por volta de 370 a.C. em Roma, era celebrado pelas bacantes, sacerdotisas que saiam as ruas cantando, dançando lascivamente, achincalhando os transeuntes. Somente no ano de 590 d.C. ocorre a oficialização do carnaval, que viria a adquirir suas características básicas – como o uso de fantasias, máscaras e carros alegóricos – na Renascença.[1]
Seja como for, a festa no Brasil tem especificidades desde o princípio da colonização, como aponta Rita Amaral (2000), tendo sido para cá transplantada pelos colonizadores invasores do período colonial, que fizeram dela entre outros, instrumento de inserção dos portugueses, catequização dos índios e negros e tornou menos difícil a vida num lugar estranho, com um meio ambiente desconhecido e por vezes hostil. Como não podia deixar de ser, todos acresceram sua parcela de símbolos, enriquecendo-a.
Para se moldar à realidade multicultural brasileira a festa européia foi sofrendo grandes transformações, não apenas dos aspectos mais formais, mas também de sentido, sendo uma festa ao mesmo tempo lúdica, transgressora e utópica. Alguns autores frequentemente, tratam a festa como linguagem e seus elementos como termos de comunicação que qualificam, atribuem sentido e movimento.
Objeto predileto de antropólogos, o carnaval brasileiro foi observado sob a ótica do ritual de inversão, onde as hierarquias por alguns momentos se apagam: o pobre fantasia-se de príncipe, o homem de mulher e assim por diante. O indivíduo não desaparece no grupo, pois, segundo Da Matta (1978: 93), “o projeto da sociedade brasileira, com suas regras e seus ritos, é o de dissolver e fazer desaparecer o indivíduo”.
 No carnaval, contrariando o projeto social, as leis são mínimas: "É o folião que conta. É o folião que decidirá de que modo irá “brincar o carnaval” (115). Contrariamente à ideia de destruição, que perpassa as teorias sobre o carnaval, a festa à brasileira tem caráter positivo, afirmativo.
Vale ressaltar que gestos e palavras são apenas uma porta para penetrarmos o significado que se oculta por trás do carnaval. No entanto, apresenta algumas características que não condizem com o regozijo destilado nos seus dias: crianças, idosos, pessoas curvadas, corcundas olhando a festa para baixo, sujeitas a relação metal-peso-valor-sobrevivência; a hierarquia da festa; o abuso sexual de menores; a corrupção fardada; a exploração turística e muitos outros que vocês, caros leitores, com certeza diriam neste espaço.


[1] A origem da palavra carnaval gera divergência entre os estudiosos. Há quem sustente que o termo vem de carrum navalis, os carros usados nas procissões em homenagem a Dionísio na Grécia. Porém alguns pesquisadores afirmam que a palavra surgiu a partir da expressão dominica ad carne levandas, usada por Gregório I, o Grande, em 590 d.C., para se referir ao sétimo domingo que precede a Páscoa.Esta expressão – que significa “tirar a carne” e está ligada aos sacrifícios da Quaresma – teria sido sucessivamente abreviada para carne levandas, carne levale, carne levamen, e finalmente carnaval. ARAÚJO, 2003.

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