As joaninas à moderna
As festas juninas em todo o Brasil se torna o momento de congraçamento das tradições nordestinas. Acredita-se que estas festas têm origens no século XII, na região da França, com a celebração dos solstícios de verão, vésperas do início das colheitas. No hemisfério sul, na mesma época, acontece o solstício de inverno (noite mais longa do ano). Como aconteceu com outras festas de origem pagã, estas também foram adquirindo um sentido religioso introduzido pelo cristianismo, trazido pela igreja católica ao Novo Mundo.
Na Antiguidade, quando a ciência ainda não havia explicado o funcionamento do universo, as alterações no clima eram atribuídas à magia e aos deuses. Dias quentes e ensolarados, depois dos meses frios do inverno e dos dias amenos da primavera, eram considerados uma bênção divina. Assim, os povos daquela época criaram rituais para garantir a boa vontade e a bondade das divindades responsáveis por esses fenômenos.
Antes de o cristianismo dominar a Europa, as festas juninas comemoravam a deusa Juno, mulher de Júpiter, que fazia parte do panteão do Império Romano. Para diferenciar as festas de Juno da festa de João, a Igreja Católica passou a chamá-las 'joaninas'. Com o tempo, as festas “joaninas”, realizadas em junho, acabaram sendo mais conhecidas como 'juninas'.
Quando o cristianismo tornou-se a religião oficial do Ocidente, no século IV, as principais celebrações pagãs foram sendo incorporadas ao calendário das festas católicas. Foi assim com o Natal, com o Dia de Todos os Santos e também com as festas juninas. Já no século VI, a Igreja Católica reservou o dia 24 de junho para comemorar o nascimento de São João Batista, que, segundo a Bíblia, batizou Jesus Cristo. Aos poucos os cristãos foram criando novos mitos para explicar as práticas anteriores (pagãs).
Independente de como elas surgiram e de onde nasceram as celebrações do mês de junho, este é o período em que as típicas festas do interior do país “saem” da área rural e vêm para as cidades, e o país se torna em um grande arraial. Aos poucos, as festas juninas foram sendo difundidas em todo o território brasileiro, mas foi no nordeste que se enraizou. Nessa região, as comemorações ganham aspectos de competição e intensidade - duram um mês, e são realizados vários concursos para eleger os melhores grupos que dançam a quadrilha. Além disso, proporcionam uma grande movimentação de turistas em seus estados, aumentando as rendas da região.
Com o passar dos anos, as festas juninas foram incorporando novos elementos simbólicos característicos. Como é realizada num mês mais frio, passaram a acender enormes fogueiras para que as pessoas se aquecessem em seu redor. Várias brincadeiras entraram para a festa, como o pau de sebo, os fogos de artifício, o casamento na roça, dentre outros, com o intuito de animar ainda mais a festividade. As comidas típicas dessa festa tornaram-se presentes em razão das boas colheitas na safra de milho. Com esse cereal são desenvolvidas várias receitas, como bolos, caldos, pamonhas, bolinhos fritos, curau, pipoca, milho cozido, canjica, dentre outros.
Entretanto, a forma atual da celebração dos festejos juninos, além da forma tradicional, possui seu lado moderno. Geralmente, a festa de São João é relacionada com a tradição, tratada como algo do passado, congelado no tempo, para os quais o que existe hoje é mera sobrevivência, um simulacro esvaziado da sua verdadeira essência. É comum as pessoas dizerem que a festa do São João mudou, que o festejo de antigamente era melhor do que de hoje e que ele já na existe mais. O senso comum, numa visão nostálgica/saudosista, assim avalia todas as festas, fazendo com que o passado seja sempre romantizado e o presente desordenado, cheio de “imperfeições”. Lembrando, que o passado um dia foi presente.
As festas Juninas fazem parte da tradição sim, mas no sentido de que é aquilo que o grupo faz e que passa de geração em geração, numa periodicidade cíclica, perpetuado no calendário. Todo ano celebramos os festejos juninos, mas eles não são os mesmos sempre: cada festa é uma festa, ela se repete, mas muda sempre. Tradição não é imutabilidade, pelo contrário, é mudança, é o que se vive na periodicidade, tem uma estrutura básica fundamental, mas o conteúdo pode variar. Nesse sentido, o São João nunca morre nem se descaracteriza, ele se atualiza. Portanto, nessa criação de uma outra tradição, o que importa é o movimento de transmissão que quase sempre se dá pela oralidade. Contar as histórias é lembrar da ancestralidade, dos mais velhos, de outro tempo. A festa é o que permite a suspensão do tempo, o esquecimento.
Acredito que a festa de São João no Nordeste, apesar das inúmeras interpretações que se possa dar, é um ato coletivo que implica uma determinada estrutura social de produção. É preparada, custeada, planejada e montada segundo regras elaboradas no interior da vida cotidiana; envolve a participação coletiva na sociedade em seu conjunto ou em grupos nos quais os participantes ocupam lugares distintos e específicos. Ela aparece como uma interrupção do tempo social, suspensão temporária das atividades diárias; articula-se em torno de um objeto focal: o forró.
A festa junina também pode ser entendida dentro de uma situação de tensão, ou melhor, um espaço de resolução de conflitos sociais que em alguns casos se manifesta até mesmo com atitudes violentas por parte de jovens; bem como, temos no mesmo espaço as disputas e as desigualdades de classes. Reflexo do capitalismo que tem como base uma economia excludente que se manifesta de maneira expressiva através do acesso diferenciado dos diversos segmentos, ao consumo, ao mercado e aos seus bens.
Desse modo, o olhar que recaí sobre a atualidade dos festejos juninos fica na forma pela qual se estrutura o festejo, com todas as suas desigualdades e injustiças. É necessário estar atento e ir além do processo produtivo da festa levando em consideração também o que é consumido e como os diferentes segmentos se apropriam desses bens, pois junto com uma lógica racional de produção existe também uma lógica simbólica.
A festa junina inserida nas descontinuidades da entendida modernidade é ir além de o simplesmente estar na rua ou a rua estar em festa. É perceber os elementos que fazem parte do festejo como a folia, a orgia, a vestimenta, a sedução, a violência, as transgressões de toda ordem, que combinam com um clima de afetividade, familiaridade, encontro, de estar junto coletivamente. A festa de São João estando no campo da não ordem, do possível, é criadora da própria humanidade do nordestino; é o ato mesmo de produção da vida, através de tempos fortes, com as pausas, a alternância de ritmo e de intensidade tanto no campo individual quanto coletivo. Porém, vivemos das lembranças de uma festa e da espera por outra, pois ela nos permite entender que “recordar também é viver”.
Mesalas Santos.
Grande Mesa... ótimo post inaugural!
ResponderExcluirMuitas e boas informações. Aprendi pacas sobre o tema.
Gosto muito dessa idéia de uma tradição que permanece em constante movimento, se reinventando.
Vale citar uma dinâmica também comum nos dias de hj, as megafestas (Caruaru, Campina Grande e Forro Caju). Nelas, os administradores se gabam dos grandes números e uma suposta "geração de emprego e renda" que na verdade gera apenas o crescimento econômico de pequenos grupos e grande empresas, além de empregos temporários (bom isso, mas ainda sim temporários).
Mas arriais espontâneos e comunitários teimam em acontecer e continuar a bricadeira. As duas realidades continuam e, em certos momentos, entram em conflito. Exemplo: Quem é que vai dizer que o Forró Caju no mercado não foi um dos responsáveis por "esvaziar" o tradicional arraial da Rua São João???
Abração