Indústria cultural e
manutenção do poder
Rafael Cordeiro Silva
A técnica
permitiu a difusão da cultura para setores da população e, por outro,
sacrificou a lógica da arte autônoma
“Saber é poder.” A frase de Francis Bacon (1561-1626),
considerado o primeiro filósofo da modernidade, traduz a disposição do espírito
humano para a investigação da natureza e a descoberta de seus segredos. O
entendimento da natureza das coisas pela experimentação, ao contrário do
conhecimento especulativo da tradição medieval, tornou-se o caminho para as
conquistas que poderiam proporcionar ao gênero humano o melhoramento de suas
condições de existência. Bacon captou muito bem o espírito de uma época que começara
a perceber que o estudo da natureza poderia levar a novas descobertas e à
expansão do conhecimento prático, até então considerado inferior ao
conhecimento especulativo. Abriu-se, a partir desse momento, o caminho para a
dominação da natureza por meio de técnicas específicas. E a utilização do
método experimental com vistas a esse domínio firmou-se também como um dos
pressupostos da ciência moderna.
Bacon tinha um grande fascínio pela técnica que ele conhecera
em diversos livros e tratados que o precederam, de autoria de investigadores da
natureza, experimentadores e construtores de máquinas e artefatos. A convicção
de que esse tipo de conhecimento não poderia ser desmerecido, pois gerava
resultados práticos para a vida cotidiana, animou os esforços de Bacon quanto à
pretensão de sistematizar um método que garantisse maior eficácia técnica.
Portanto, a junção de técnica e conhecimento experimental, que os modernos
legaram a nós, contemporâneos, é o alicerce da ciência com a qual lidamos hoje.
O poder sobre a alma “A tirania deixa o corpo livre e vai
direto à alma.” A frase é de Alexis de Tocqueville (1805-1859) e faz parte de
sua principal obra – A Democracia na América –, publicada em duas partes
entre os anos de 1835 e 1840. Na obra em questão, o pensador francês viu na
busca incessante pela igualdade, característica dos federalistas
norte-americanos, uma perigosa tendência para a uniformização das pessoas, para
a supressão da singularidade de cada um. Embora inspirada nos ideais
iluministas, a igualdade de condições entre todos os homens foi vista com
desconfiança e como forte ameaça à liberdade individual. Liberdade e igualdade,
dois grandes ícones da Revolução Francesa, não foram concebidos como valores
complementares por Tocqueville.
Mais de um século depois, os filósofos alemães Theodor Adorno
e Max Horkheimer retomam aquela frase em um contexto inteiramente outro. Na
obra Dialética do Esclarecimento, acrescentam a continuação do texto de
Tocqueville: “O mestre não diz mais: você pensará como eu ou morrerá. Ele diz:
você é livre de não pensar como eu: sua vida, seus bens, tudo você há de
conservar. Mas de hoje em diante será um estrangeiro entre nós”. A intenção dos
pensadores alemães é denunciar as formas de dominação que não precisam sujeitar
os corpos nem se impor pela violência física. Trata-se da dominação pela
igualação e homogeneização, que atua no inconsciente (e até mesmo no
consciente) dos indivíduos – naquilo que Tocqueville e a grande tradição
filosófica denominaram “alma”. Domesticar e direcionar os desejos, com a
intenção de tornar todos iguais, revelou-se mais eficaz para a continuidade da
dominação do que a sujeição física. É a sujeição do querer, que se realiza sob
a aparência de total liberdade, como sugere o texto de Tocqueville. Isso se dá
hoje, sobretudo, pela indústria cultural.
Indústria
cultural: a técnica invade a arte
A Dialética do Esclarecimento foi publicada em 1947.
A obra tornou conhecido o conceito de “indústria cultural”. Hoje, o emprego
neutro do termo, para descrever qualquer produção de arte que esteja voltada
para o entretenimento, não deixa entrever o significado crítico com que foi
concebido. Quando os autores começaram a utilizar essa terminologia, queriam
analisar certas tendências sociais e estéticas e criticar o que consideravam
novas formas de dominação pelo viés da cultura.
Aquela técnica, outrora saudada por Bacon como caminho
inexorável para a dominação da natureza e melhoria da existência humana, agora
se torna onipresente, atuando a serviço da ordem econômica capitalista. Ela
ultrapassa o âmbito do mero fazer e, onipotente, se transforma em tecnologia.
Adorno e Horkheimer sempre consideraram a arte como a expressão das tendências
sociais e ao mesmo tempo a instância crítica dessas tendências.
O papel crítico-social da arte consolidara-se com seu próprio
processo de constituição na era moderna ou burguesa, isto é, no momento em que
ela deixou de estar a serviço do clero e da nobreza e ganhou autonomia. Assim,
a arte não mais encontra sua razão de ser naquelas instituições mantenedoras,
mas seus temas e formas dizem respeito apenas à sua lógica interna. Esse
processo de autonomia da arte também se situa no período burguês, na etapa
liberal do capitalismo. É a época em que se constitui um público apreciador de
arte e ela deixa de estar referida ao deleite dos nobres ou à decoração de
igrejas e composição do ambiente de recolhimento e encontro com Deus. Multiplicam-se
os lugares destinados à apreciação da arte: não só os teatros, mas os museus e
galerias culturais são destinados à fruição estética.
Adorno e Horkheimer deixam bastante claro que indústria
cultural não é arte. E apontam as razões para fundamentar esse ponto de vista.
Enquanto a arte autônoma diz respeito à produção da cultura iniciada na época
burguesa (mas que não se esgota nesse período), a indústria cultural é mais
afeita ao gosto mediano das massas, que constituem o tipo social predominante
no capitalismo avançado. Ela está referida principalmente aos meios técnicos de
produção e difusão de cultura padronizada.
Seus exemplos mais típicos, segundo os autores, são o cinema,
o rádio e a televisão. Essa última é vista como uma espécie de síntese dos
outros dois, na medida em que reúne o alcance do rádio e as possibilidades
técnicas do cinema no tratamento da imagem. Os autores afirmam: “A técnica da
indústria cultural levou apenas à padronização e à produção em série,
sacrificando o que fazia a diferença entre a lógica da obra e a do sistema social”.
Em outros termos, enquanto a arte autônoma critica a ordem estabelecida, os
produtos da indústria cultural ratificam-na sem cessar. Se, por um lado, a
técnica permitiu a difusão da cultura para amplos setores da população,
representando um ganho e colocando em xeque a ideia tradicional de arte e de
seus modos de exposição – como pensava Walter Benjamin –, por outro, sacrificou
a lógica intrínseca da arte autônoma, feriu sua autenticidade e pôs a perder
sua capacidade de crítica imanente da sociedade.
Indústria
cultural, mídia e o poder sobre a alma
A indústria cultural é fator de coesão social. Seu poder
reside em reforçar as relações de poder estabelecidas, zelando para que a ordem
dada mantenha-se constante e que o sistema que a alimenta não seja desestabilizado.
Ao reforçar o caráter sempre igual das relações, a passividade diante da
realidade, a ausência de crítica e o comportamento servil, ela cumpre o papel
que o sistema dela espera. Nenhum esforço intelectual é exigido do ouvinte ou
telespectador, o que coloca os produtos da indústria cultural em evidente
oposição às obras de arte, que requerem concentração e capacidade mental para
sua compreensão e fruição. A diversão, comumente usada como pretexto para o
consumo da cultura padronizada, é, no fundo, a apologia da sociedade
administrada. Depois de uma jornada dedicada à reprodução do capital nas
fábricas e nos escritórios, nada mais salutar do que a necessidade de descanso
e relaxamento que a diversão proporciona. O ciclo está completo! Assim, “a
diversão favorece a resignação, que nela quer se esquecer”.
Os meios de comunicação mais frequentemente analisados por
Adorno e Horkheimer foram o rádio, o cinema e a televisão. Quando da redação da
Dialética do Esclarecimento, nos anos 1940, eles tinham grande poder de
penetração na vida dos cidadãos norte-americanos, mais do que outras formas de
difusão de cultura padronizada. Essas também foram consideradas. O mercado
fonográfico e a publicidade receberam referências mais esparsas dos autores.
A publicidade serve para dar visibilidade aos produtos. É a
ponte que une os dois extremos do mundo mercantilizado: de um lado a produção,
de outro a recepção e o consumo. Por isso, Adorno e Horkheimer afirmam ser a
publicidade o elixir da indústria cultural. Essa afirmação é tão mais
verdadeira quanto mais abundam as mercadorias. A publicidade tem a tarefa de
seduzir os consumidores para a aquisição dos mais variados produtos,
transformando-os em bens de imediata necessidade. Seu objetivo é transformar em
valor de uso uma mercadoria que só tem valor de troca, ou seja, que foi
fabricada apenas para ser vendida e não para suprir determinada carência. Para
isso ela se encarrega de criar uma identificação entre o produto e o comprador.
Sua posição torna-se estratégica graças ao fato de cada vez mais se produzirem
mercadorias que não se diferenciam quase nada entre si: marcas de carros, de
telefones celulares, hits de um mesmo gênero musical, e assim por diante. O
exemplo dos anúncios de marcas de cigarro, quando eram permitidos na mídia
brasileira, ilustra muito bem o argumento em questão. Associar uma suposta
particularidade de cada um desses produtos a um traço específico da
personalidade é a forma pela qual ela logra seu intento.
Ao tentar estabelecer uma identificação entre produto e
consumidor, a publicidade pretende realizar o indivíduo como tal. No entanto,
como pilar da sociedade de consumo, ela consolida o processo inverso: a
castração da individualidade. Não se define o indivíduo pelo incremento de sua
capacidade de consumo; indivíduo e consumidor não são termos sinônimos. Na
verdade, a publicidade sacrifica o indivíduo, porque reitera sua dependência em
relação ao mundo das mercadorias. Em vez de fomentar as autênticas capacidades
e qualidades humanas, a publicidade representa a conquista da alma.
A indústria cultural e seu braço forte, a publicidade,
realizam com requinte e maestria o temor que Tocqueville manifestara um século
antes: a igualação de todos os indivíduos, que foram reduzidos agora à
denominação de ouvintes/telespectadores e consumidores. Não é coincidência,
portanto, que ela tenha surgido nos Estados Unidos, nação que adotou como
exigência máxima a igualdade de todos os seus cidadãos. O que para os
federalistas norte-americanos era um projeto político tornou-se, no capitalismo
avançado do qual os Estados Unidos são modelares, uma forma sutil de dominação,
de consolidação das formas de poder e fortalecimento do sistema. Por isso e com
toda razão, Adorno e Horkheimer afirmaram que a indústria cultural é o engodo
das massas.
FONTE: http://revistacult.uol.com.br/home/2011/02/industria-cultural-e-manutencao-do-poder/
professor aki fala o gerson ou melhor "baiano" sobre akela materia do programa "CQC" da "rede Bandeirantes" segue o link
ResponderExcluirhttp://www.youtube.com/watch?v=9n4hb0RobhQ&feature=topvideos
assista com atenção e espero que o senhor leve a aula para um breve discurso sobre a mesma!1 brigadao pela atenção!